Asa Norte Consultoria

O decreto 10.854 foi assinado no dia 10 pelo presidente Jair Bolsonaro. A grande maioria dos dispositivos entra em vigor 30 dias após a publicação. Somente a vigência de parte das medidas relativas ao vale-alimentação, em especial à portabilidade, vai demorar mais tempo – 18 meses.

Especialistas ouvidos apontam que a iniciativa traz benefícios como reunir, em um só texto, normas que antes estavam disseminadas.
“Isto deverá facilitar a vida de empregadores e trabalhadores, reunindo as normas que antes estavam espalhadas”, aponta a coordenadora da área trabalhista do escritório Natal & Mansur Advogados Associados, Karolen Gualda.

Otávio Torres Calvet, juiz do Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro (TRT-RJ) e professor convidado em pós-graduações, avalia que não houve retrocesso na legislação com a assinatura do decreto. “Não houve uma desconstrução da legislação trabalhista”, diz.

O foco da medida, segundo ele, foi desburocratizar e racionalizar as normas, o que facilita a vida, principalmente, das micro e pequenas empresas, que estão entre os maiores empregadores do país.

Mas também há pontos polêmicos nessa consolidação. Entre eles estão o fim do poder de fiscalização por parte dos procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT) e a redução de benefícios fiscais para o pagamento de vale-alimentação no âmbito do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT).

Simplificação de normas trabalhistas infralegais
O Marco Regulatorio Infralegal Trabalhista cria o Programa Permanente de Consolidação, Simplificação e Desburocratização de Normas Trabalhista Infralegais no âmbito do Ministério do Trabalho e Previdência.
Um dos objetivos principais é o de promover a conformidade às normas trabalhistas infralegais. Também busca a simplificação e a desburocratização das regras trabalhistas, observando o respeito aos direitos trabalhistas e a redução dos custos para as empresas.

Livro de Inspeção do Trabalho em formato eletrônico (eLIT)
O Ministério do Trabalho e Previdência disponibilizará, em meio eletrônico, o livro de inspeção do trabalho a todas as empresas que tenham ou não empregados.
O acesso será gratuito e também se aplicará a profissionais liberais, associações recreativas e a outras instituições sem fins lucrativos que admitirem trabalhadores como empregados. Microempresas e empresas de pequeno porte poderão aderir ao eLIT por meio de cadastro.

Os principais objetivos são:

  • racionalizar e simplificar o cumprimento de obrigações trabalhistas e não tributárias impostas pela legislação tributária;
  • eliminar formalidades e exigências desnecessárias ou superpostas; e
    padronizar e dar transparência a procedimentos, garantindo conformidade com a legislação trabalhista e previdenciária, inclusive quanto às normas de segurança e saúde do trabalhador.

Fiscalização
A fiscalização das normas trabalhistas foi um dos itens mais afetados pelo Marco Regulatório Trabalhista Infralegal. Ela passa a ser atribuição específica dos auditores-fiscais do Ministério do Trabalho.
A medida desagradou aos procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT), que também tinham essa competência. Segundo a “Folha de S. Paulo”, a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) pretende contestar o decreto.
Calvet, do TRT-RJ, aponta que o decreto foca em uma atuação mais estratégica e preventiva. “O objetivo do Direito do Trabalho é favorecer a qualidade de vida do trabalhador e evitar que as irregularidades aconteçam.”
A medida também proíbe a autuação exclusivamente com base em manuais, notas técnicas e ofícios circulares do Ministério do Trabalho, ou a partir da doutrina e da jurisprudência. A autuação só poderá ser baseada em dispositivos legais ou infralegais. “Isto acaba favorecendo a segurança jurídica”, afirma Karolen.

Normas regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho
O decreto estabelece que as diretrizes para as normas regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho serão a dignidade da pessoa humana, o valor social do trabalho, a valorização do trabalho, o livre exercício da atividade econômica e a busca do pleno emprego.
As normas deverão ser embasadas técnica ou cientificamente, atualizadas de acordo com o desenvolvimento tecnológico e compatíveis com os marcos regulatórios brasileiro e internacional. O conteúdo delas deverá ser simplificado e desburocratizado, sendo que o Estado deverá assumir um papel de intervenção que seja subsidiário e excepcional.

Equipamento de proteção individual
O equipamento de proteção individual somente poderá ser comercializado com a obtenção do certificado de aprovação, que será emitido por meio de sistema eletrônico simplificado.
As informações prestadas e as documentações e os relatórios apresentados serão de responsabilidade do requerente e serão considerados para fins de emissão do certificado.

Controle de jornada
As empresas poderão optar por novas tecnologias para fazer o controle da jornada de trabalho, como celular, reconhecimento digital ou facial, softwares especializados. “Não é uma novidade”, diz a coordenadora do Natal & Manssur Advogados Associados.

Os equipamentos não podem:

  • permitir a alteração ou eliminação de dados registrados pelo empregado;
  • fazer restrições de horário às marcações de ponto, tais como horário pré-determinado ou contratual;
  • exigir autorização prévia para a marcação de sobrejornada;
  • permitir a pré-assinalação do período de repouso e assinalação de ponto por exceção à jornada regular de trabalho.

Mediação
A mediação dos conflitos coletivos de trabalho poderá ser feita gratuitamente para as partes pela Secretaria de Trabalho do Ministério do Trabalho e Previdência, desde que solicitada pelo sindicato dos trabalhadores ou das empresas, com o objetivo de evitar o contencioso trabalhista.
A mediação será realizada por servidor em exercício no Ministério do Trabalho, inclusive auditores. Havendo consenso, o acordo terá caráter extrajudicial. “É mais uma forma de negociação”, explica Karolen Gualda, do Natal & Manssur Advogados Associados.
Os objetivos da norma, segundo Calvet, são a de consolidar procedimentos e facilitar a obtenção de acordos.

Terceirização e trabalho temporário
O Marco Regulatório Trabalhista Infralegal fixa os estritos limites da legislação no que se refere à terceirização e ao trabalho temporário. “Não houve grandes mudanças”, diz Calvet, do TRT-RJ.
“A norma reafirmou o que a lei já diz, possibilitando a terceirização da atividade-fim e ressaltando que não há vínculo empregatício entre o trabalhador e a empresa contratante”, diz Karolen.
Ela afirmou que só haverá vínculo quando houver subordinação, onerosidade, não eventualidade e pessoalidade. “Isso veio claramente expresso no marco. Com estes requisitos, fica descaracterizada a terceirização”, diz a advogada.
Segundo o decreto, considera-se trabalho temporário aquele prestado por pessoa contratada por empresa do setor que a coloca à disposição de empresa tomadora de serviços para atender à necessidade de substituição transitória de pessoal permanente ou à demanda complementar de serviços.
O decreto define, também, que o trabalho temporário não se confunde com a terceirização e não considera como demanda complementar aquelas contínuas ou permanentes e resultantes da abertura de filiais.

Vale-transporte
O decreto estabeleceu que o vale-transporte não pode ser usado em serviços de transporte privado coletivo e transporte público individual. Segundo Karolen, isto significa que o auxílio não pode ser usado em aplicativos de transporte, salvo exceções.
Também proíbe a substituição do vale por antecipação em dinheiro ou outra forma de pagamento. A medida excetua os trabalhadores domésticos ou quando há “indisponibilidade operacional da empresa operadora e de falta ou insuficiência de estoque de vale-transporte necessário ao atendimento da demanda e ao funcionamento do sistema.” Neste caso, o trabalhador será ressarcido na folha de pagamento imediata, se tiver feito a despesa por conta própria.

Serviços no exterior
O objetivo da mudança na legislação sobre trabalhadores contratados ou transferidos para prestar serviços no exterior é o de reduzir custos nesta modalidade. Com isto, quando for feita a liquidação do contrato de trabalho, a empresa pode deduzir os valores pagos ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

Vale-alimentação
O marco flexibiliza o Programa de Alimentação do Trabalhador, que inclui o vale alimentação. “É a mudança mais significativa que houve nas medidas infralegais”, diz Karolen.
O decreto prevê que o funcionário poderá usar o cartão em qualquer estabelecimento que aceite esse meio e não só nos credenciados. Também é prevista a portabilidade do crédito entre as bandeiras. A medida começa a valer em 18 meses.
As empresas vinculadas ao PAT devem permanecer com os incentivos fiscais, mas terão de executar um programa nutricional para os seus empregados.
O governo federal também vai limitar a dedução do Imposto de Renda na concessão de vales refeição e alimentação. As normas estabelecidas pelo Marco Regulatório estabelecem que só haverá o desconto na base do IRPJ de valores até um salário mínimo. E o abatimento só poderá ser aplicado para rendimentos de até cinco salários mínimos.

Deixe um comentário